domingo, fevereiro 13, 2011

Deus dá o frio. E o freio conforme a lona


A cultura de Submundo, que persiste sobreviver sobre a miséria explícita, não deve ser conduzida ao novo Milênio que vivenciamos. Temos a obrigação de “organizar a casa”, vivemos uma nova Era, entre conflitos herdados de um sistema social urbano democrata, após o extermínio pleno dos sistemas menores, que foram devorados e esquecidos, e com eles suas culturas. Para nós que trabalhamos com a imagem no Jornalismo, que temos como profissão registrar as realidades mais distintas, em quadros pincelados ao vivo, adentramos as grotas, as favelas, o lixão, o riacho de esgotos, o trânsito caótico; subimos as mais altas antenas, os morros, nos jogamos ao chão, pulamos muros, cercas e poças, fincamos diante o olho do furacão o mais rico documento da Humanidade: seu arquivo fotográfico. Diante nossos olhares um pouco de tudo do mundo. Diante nossa coragem, a realidade pulsa em informações nítidas da perplexidade complexa das relações humanas. Diante nossas câmaras, mais que puras imagens, a sensibilidade da autoria traduz sem palavras o contexto das informações. Como se fossemos a ‘infantaria’ das Comunicações, avançamos para um digladio franco, e nos deparamos sempre entre os pólos que definem as desigualdades. Na pobreza acho que se tem alguma dignidade, numa pobreza com a da família do ex-presidente Lula. Mas na miséria, a que vive tanta gente brasileira, não. É triste assistir crianças convivendo com esgoto a céu aberto, pisando, pegando, caindo, acordando e dormindo com o cheiro daquela calda ladeando os corredores entre as barracas construídas de resto de materiais encontrados nos lixos. Um povo que não tem o que vestir ou o que comer, mas pasmem: quase todos têm televisão no lar (se assim podemos chamar: lar), e assiste a toda luxúria e putaria que as emissoras públicas transmitem, numa existência que nada lhes condiz. Há de se criar nessa realidade indignações plenas, do âmago dela e de tantos que se sensibilizam por tal realismo. Até quando ? Deixaremos para as próximas gerações tais responsabilidades ? Haverá novas gerações ? – O reflexo da realidade se depara entre os limites dos opostos, o belo e o feio, o rico e o miserável, o cético inoperante e o poeta revolucionário, enquanto as causas e os efeitos dessa evolução amargam-nos na má qualidade de vida. Vida !?... Será tudo isso um sonho de um Deus ? Que o beliscão que me dou não me dói, não sinto ? Tá tudo escrito nas estrelas ? A miséria ninguém merece. Nascer na miséria é um castigo impiedoso. Dizem algumas religiões que faz parte das intermediações espirituais, outras dizem tantas coisas, falam de infernos e carmas, argumentos que tentam explicar o inexplicável. No mundo tudo está virado de cabeça pra baixo, valores invertidos. Lamentável, meu caro Watson, lamentável. Taí nas ruas, plena guerra civil. E não é outra coisa, senão a desigualdade, a mola que impulsiona tamanha violência urbana. Taí a cocaína estendida aos 4 cantos do mundo, como refrigerante, como pó estimulante, como pedra degradante e como folha suficiente. Taí a bebida alcoólica, destruindo famílias, pessoas, vidas, por uma realidade fútil e egocêntrica, fervilhando no caldeirão de mentiras repetidas, estimuladas por esse Kapitalismo quântico, por um liberalismo vulgar que destrói a ética, pisa sobre a moral, joga no lixo as tradições e valoriza a canalha, o banditismo, a pornografia e a alienação de massa. Como dizia o pára-choque de um caminhão: “Deus dá o frio. E o freio conforme a lona”.

LCB_2010out05

Um comentário:

  1. Os comentários abaixo foram postados no blog de Lula Castello Branco em http://ojornalweb.com.br . Reproduzidos aqui.

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    Eduardo Canuto disse:
    16/02/2011 às 19:43

    Lula,parabéns pela crônica e pela foto,digna de um grande profissional,apesar da distância que o tempo nos impôs,continuo lhe admirando desde a nossa infância.Um abraço.

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    João Pacheco disse:
    17/02/2011 às 9:45

    Mais uma bela crônica, mas palavras, já dizia o poeta, o vento leva..E as verdadeiras ações, onde estão? Muitos já enriqueceram
    e enriquecem por conta dessa miséria milionária que devasta não
    só o nosso país, mas a todos os continentes corruptos e não cor
    ruptos. Quando teremos uma verdadeira ação mundial anti-miséria?
    Deixaremos ao acaso e entregaremos, também, na mão de DEUS? As-
    sim fica fácil, pois ELE é o principal responsável por essa
    vida insana…

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    Lula Castello Branco disse:
    18/02/2011 às 23:19

    Eduardo, meu queridão, sempre um forte abraço a todos os seus, pessoas queridas, desde uma Maceió em que se podia andar pelas ruas livremente, nós crianças, cortando a cidade, havia paz em nosso passado, até um dia desses. Mas assustadoramente a evolução surgiu por aqui, desordenadamente. Estou perplexo diante a cidade e sua infinidade de pequenas atitudes desnecessárias de uma cultura de exclusão. O universo dos automóveis causa danos irreparáveis aos pedestres, exclusão total ! Quem caminha não tem valor. Só tem valor quem tem ‘Railux’. As calçadas vivem ocupadas ! Permanentemente ocupadas e o culpado é o pobre que caminha. – Se falar alguma coisa ainda é criticado pelo(a) infrator(a) ! Arriscado até sofrer lezões… Mas é isso aí, como falou meu querido João Pacheco: “Mas palavras o vento leva” ! Veja as levou até Vcs ! Que bom. Obrigado.

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    Lula Castello Branco disse:
    18/02/2011 às 23:21

    Errata: Arriscado até sofrer Lesões…

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    Gilson Monteiro disse:
    19/02/2011 às 22:59

    O texto diz muito também. Mas a foto sintetiza toda as incertezas do mundo contemporâneo: desolação, apatia e miséria. Se tivemos a capacidade de extrairos o que ainda há de bom em tudo o que o texto diz (mídia, política e cultura), ainda podemos melhorar muita coisa.

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