domingo, fevereiro 20, 2011

Bóias-frias

 

Essas fotos foram tiradas de dentro do automóvel, a cinquenta quilômetros por hora, por uma estrada de barro. De passagem, no reflexo repente de percepção e atitude, presença de espírito e vontade de fazer. Da ação imediata do bóia-fria, articulando com as mãos, e a do fotojornalista, que habilmente, com todo balanço e movimento do automóvel, percebe, mira e dispara uma série de cliques. Há uma simpatia clara. Dizendo: ‘tou vendo você !’, ‘ói eu aqui !’, ‘oi !’ – Uma interação do personagem com o Universo. A partir da divulgação do quadro, exibida publicamente para toda cadeia global da internet, mostrando a arquitetura do improviso, com a utilização de materiais do ambiente, do talo e das palhas da cana de açúcar, pela necessidade de sombra, onde os capinheiros pausam para as refeições e descanso. Gente do mundo.

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domingo, fevereiro 13, 2011

Deus dá o frio. E o freio conforme a lona


A cultura de Submundo, que persiste sobreviver sobre a miséria explícita, não deve ser conduzida ao novo Milênio que vivenciamos. Temos a obrigação de “organizar a casa”, vivemos uma nova Era, entre conflitos herdados de um sistema social urbano democrata, após o extermínio pleno dos sistemas menores, que foram devorados e esquecidos, e com eles suas culturas. Para nós que trabalhamos com a imagem no Jornalismo, que temos como profissão registrar as realidades mais distintas, em quadros pincelados ao vivo, adentramos as grotas, as favelas, o lixão, o riacho de esgotos, o trânsito caótico; subimos as mais altas antenas, os morros, nos jogamos ao chão, pulamos muros, cercas e poças, fincamos diante o olho do furacão o mais rico documento da Humanidade: seu arquivo fotográfico. Diante nossos olhares um pouco de tudo do mundo. Diante nossa coragem, a realidade pulsa em informações nítidas da perplexidade complexa das relações humanas. Diante nossas câmaras, mais que puras imagens, a sensibilidade da autoria traduz sem palavras o contexto das informações. Como se fossemos a ‘infantaria’ das Comunicações, avançamos para um digladio franco, e nos deparamos sempre entre os pólos que definem as desigualdades. Na pobreza acho que se tem alguma dignidade, numa pobreza com a da família do ex-presidente Lula. Mas na miséria, a que vive tanta gente brasileira, não. É triste assistir crianças convivendo com esgoto a céu aberto, pisando, pegando, caindo, acordando e dormindo com o cheiro daquela calda ladeando os corredores entre as barracas construídas de resto de materiais encontrados nos lixos. Um povo que não tem o que vestir ou o que comer, mas pasmem: quase todos têm televisão no lar (se assim podemos chamar: lar), e assiste a toda luxúria e putaria que as emissoras públicas transmitem, numa existência que nada lhes condiz. Há de se criar nessa realidade indignações plenas, do âmago dela e de tantos que se sensibilizam por tal realismo. Até quando ? Deixaremos para as próximas gerações tais responsabilidades ? Haverá novas gerações ? – O reflexo da realidade se depara entre os limites dos opostos, o belo e o feio, o rico e o miserável, o cético inoperante e o poeta revolucionário, enquanto as causas e os efeitos dessa evolução amargam-nos na má qualidade de vida. Vida !?... Será tudo isso um sonho de um Deus ? Que o beliscão que me dou não me dói, não sinto ? Tá tudo escrito nas estrelas ? A miséria ninguém merece. Nascer na miséria é um castigo impiedoso. Dizem algumas religiões que faz parte das intermediações espirituais, outras dizem tantas coisas, falam de infernos e carmas, argumentos que tentam explicar o inexplicável. No mundo tudo está virado de cabeça pra baixo, valores invertidos. Lamentável, meu caro Watson, lamentável. Taí nas ruas, plena guerra civil. E não é outra coisa, senão a desigualdade, a mola que impulsiona tamanha violência urbana. Taí a cocaína estendida aos 4 cantos do mundo, como refrigerante, como pó estimulante, como pedra degradante e como folha suficiente. Taí a bebida alcoólica, destruindo famílias, pessoas, vidas, por uma realidade fútil e egocêntrica, fervilhando no caldeirão de mentiras repetidas, estimuladas por esse Kapitalismo quântico, por um liberalismo vulgar que destrói a ética, pisa sobre a moral, joga no lixo as tradições e valoriza a canalha, o banditismo, a pornografia e a alienação de massa. Como dizia o pára-choque de um caminhão: “Deus dá o frio. E o freio conforme a lona”.

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